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A Física como epistemologia interna na Educação em Ciências

Fonte: feito à mão (ChatGpt)

    
    Quando iniciei meus estudos na pós-graduação de Física me deparei com a necessidade de elaborar projetos de pesquisas. Na época, os maravilhosos chats de IA não existiam e foi necessário garimpar estruturas de texto que faziam sentido para os programas universitários que eu gostaria de ingressas, no caso, na área do Ensino de Ciências. Mesmo depois de já ter escrito artigos na iniciação científica e participando de congressos na graduação, ainda não sentia confiança para elaborar um bom projeto de pesquisa e depois de muitos vídeos no Youtube consegui "fazer parir" um texto que contemplace o básico e tinha o meu temperinho: 1.Título; 2.Problema de Pesquisa (Questão norteadora); 3.Justificativa; 4.Objetivos (Geral e Específicos);5.Referencial Teórico (Breve); 6.Metodologia: O caminho que será percorrido; 7.Tipo de pesquisa (ex: qualitativa, quantitativa, pesquisa-ação, estudo de caso); 8. Participantes e contexto (onde e com quem); 8. Instrumentos de coleta de dados (ex: entrevistas, questionários, observação de aula, análise de material didático); 9. Estratégias de análise de dados; 10. 
Resultados Esperados/Contribuições. Hoje cobra essa estrutura básica dos meus orientados em TCCs e rezo bons sermões chamando a atenção para o imenso trabalho que é criar uma escrita autoral, mesmo utilizando os chatboots de IA.
    Aconte que meu projeto foi aprovado e consegui ingressar no tão sonhado mestrado, que para mim, significava o segundo passo passo me tornar um cientista (contro mais sobre isso em outro texto). Já nos primeiros meses no mestrado, a primeira orientação que me foi dada pelo fabuloso professor Zanotello foi aperfeiçoar o meu projeto de pesquisa depois de cursar a disciplina  "Metodologia de Pesquisa",  já tadicional em programas de pós-graduação. E lá, conheci o tema central do presente texto: perspectiva epistemológica de pesquisa. Nunca tinha ouvido falar sobre isso, mas depois que conheci mudou completamente meu jeito de estudar, escrever e preparar aulas; além de sofisticar muito meus processos de pesquisa.
    A perspectiva epistemológica é o alicerce filosófico que define o que é considerado conhecimento válido e como ele deve ser adquirido, sendo crucial para a consistência de um projeto de pesquisa no Ensino de Ciências. Ela atua como a bússola que orienta a escolha da metodologia, garantindo a coerência entre a crença do pesquisador sobre a realidade estudada e os métodos utilizados. Por exemplo, uma visão interpretativista, que vê o aprendizado como construção social, demandará métodos qualitativos para interpretar significados, enquanto uma visão positivista buscará a medição objetiva com métodos quantitativos. O desalinhamento entre a epistemologia e a metodologia introduz uma inconsistência fatal no projeto.
    Autores de referência como Crotty (1998) estruturam essa relação, argumentando que a pesquisa envolve quatro elementos sequenciais: epistemologia (a natureza do conhecimento) guia a perspectiva teórica (a lente filosófica), que informa a metodologia (a estratégia de pesquisa) e, por fim, os instrumentos e  técnicas de coleta. Essa ordem estabelece a epistemologia como o ponto de partida. De maneira complementar, Creswell enfatiza a importância de o pesquisador declarar suas "visões de mundo" para justificar as abordagens metodológicas (quantitativas, qualitativas ou mistas), e Maria Paz Sandín Esteban reforça como o marco teórico-epistemológico é indispensável para o desenho de pesquisas sociais e educacionais, influenciando diretamente a interpretação dos dados e a interação com o campo.
    Com o tempo, ainda no mestrado, descobri depois de ler com maior profundidade: Gaston Bachelard, Edgar Morin, Ilya Prigogine, que as obras de Carl Sagan e Attico Chassot da adolescência e a boa base da graduação sobre o tema com Karl Popper, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, consolidaram a ideia de que a Epistemologia da Ciência é o campo da filosofia que estuda como o conhecimento científico é produzido, validado e justificado. E também como a construção do conhecimento não possui um único caminho metodológico, mas sim, envolve saberes e percepções humanas que não são neutras e estão incorporados  fazeres específicos, que envolve cultura, política, critérios de verdade, limites, fundamentos e condições de possibilidade da atividade científica e não científica. Ou seja, com esse conceito é possível investigar o que torna o conhecimento científico um paradigma, como ele se desenvolve e quais são suas características distintivas em relação a outros tipos de saber.
    Com o tempo, já no mestrado, a leitura mais aprofundada de autores como Gaston Bachelard, Edgar Morin e Ilya Prigogine permitiu ampliar de forma significativa minha compreensão sobre a natureza do conhecimento científico. Percebi que, embora minha formação inicial tivesse sido marcada pelas obras de Carl Sagan e Attico Chassot na adolescência, e posteriormente por bases sólidas na graduação com Karl Popper, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, a epistemologia da ciência não se limita ao estudo dos métodos científicos em si, mas investiga como o conhecimento é produzido, validado e justificado ao longo da história.
    Essa perspectiva evidenciou que a construção do conhecimento não segue um único caminho metodológico, linear ou neutro. Pelo contrário, envolve práticas humanas situadas, influenciadas por cultura, política, valores, critérios de verdade, limitações históricas e condições de possibilidade que moldam tanto a atividade científica quanto outras formas de saber. Assim, 

compreender epistemologia permite analisar o que torna determinado conhecimento científico dominante em uma época, como ele se desenvolve e quais características o diferenciam de outras formas de produção intelectual e cultural.

    Quando passei a atuar na formação de professores, tive contato com outras matrizes epistemológicas que ampliaram minha compreensão sobre o que significa produzir conhecimento. Entre elas destacam-se as Epistemologias Ancestrais e Indígenas, saberes holísticos desenvolvidos ao longo de gerações por povos originários e que articulam, de forma integrada, a relação com a natureza, a espiritualidade, a comunidade e a memória histórica. Esses conhecimentos, muitas vezes transmitidos de forma oral, recusam a separação rígida entre sujeito e objeto que caracteriza grande parte da ciência ocidental, entendendo o investigar e o viver como dimensões inseparáveis.
    Também encontrei as Epistemologias do Sul, conceito trabalhado principalmente por Boaventura de Sousa Santos, que propõem a validação e a legitimação de conhecimentos produzidos por grupos historicamente submetidos às injustiças do colonialismo, do capitalismo e do patriarcado. Nesse contexto, o termo “Sul” não se limita a um posicionamento geográfico, mas funciona como metáfora para situações de opressão e resistência, presentes inclusive em comunidades marginalizadas do Norte global.
    As epistemologias decoloniais, por sua vez, não constituem uma lista fechada de autores ou correntes, mas configuram um campo crítico que busca desmantelar as formas de dominação e os padrões de poder coloniais que ainda estruturam o modo como produzimos, legitimamos e ensinamos o conhecimento. Aqui destaco os trabalho de Bárbara Carine, Katemari Rosa e Deivison Faustino, que me inspiraram na orientação de diversas iniciações científicas.
    Por fim, o contato com as epistemologias pós-críticas, essas mais difíceis pra mim, mas que percebo ser igualmente relevante. Derivadas do diálogo com o  pensamento crítico, como o marxismo e a Escola de Frankfurt, essas abordagens avançam ao problematizar pressupostos tradicionais da crítica moderna, incorporando contribuições do pós-estruturalismo e do pós-modernismo. Nesse sentido, deslocam o foco da análise para questões como linguagem, discurso, subjetividade e multiplicidade de perspectivas, ampliando a compreensão sobre os modos contemporâneos de pensar, pesquisar e educar.
    
    

Meu contexto com as epistemologias da Ciências da Natureza

     Lá em 2009, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) passou a agrupar as questões por área do conhecimento, incluindo Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Nessa época eu estava no segundo ano da minha graduação em Física e ensaiava compreender o que seriam os tão falados PCN+, que foram orientações complementares do MEC entre os anos de 2002 e 2006 e aprofundaram as diretrizes curriculares para o Ensino Médio. Esse documento defendia um ensino por competências, habilidades e áreas do conhecimento, o que influenciou diretamente o novo formato do Enem em 2009. Naquele ano, as licenciaturas em Física focavam no estudo da aplicação prática desses documentos, discutindo como implementar a interdisciplinaridade, a contextualização dos conteúdos e a preparação dos alunos para o modelo de avaliação por competências.
    Lembro que nessa época era impensável para mim lecionar aulas de Biologia e Química, já que mal compreendia o curso de Física direito. Estava iniciando meus estudos sobre a Física e já estava pensando que trabalhão seria fazer outras duas licenciaturas para dar conta das famigeradas aulas de "Ciências da Natureza e suas Tecnologias", e mais essa "suas Tecnologais", nem sabia por onde começar. Anos depois, percebi que essa empreitada era bobagem e mesmo com a redução das aulas de Física dentro desse projeto eu poderia atuar como professor de Ciências da Natureza, se compreendesse o lugar da Física nesta grande área, entender como articular estudos e práticas interdisciplinares neste contexto, ou seja, estudar epitemologia.
    Os 8 anos de trabalho em um curso interdisciplinar me fez perceber que a inclusão de uma epistemologia interna da Física na Formação de Professores pode ser crucial para transformar o futuro docente de um técnico que meramente reproduz fórmulas em um intelectual crítico e reflexivo. Essa abordagem permite que o professor supere a visão simplista e positivista da ciência, entendendo que o conhecimento físico é construído, histórico e transitório, e não uma verdade absoluta. Ao compreender a natureza do conhecimento que ensina, ele pode identificar obstáculos epistemológicos nos alunos, usar a experimentação de forma crítica (como problematização e não apenas confirmação) e fundamentar suas escolhas didáticas, garantindo uma autonomia maior e promovendo um letramento científico mais aprofundado e humano em seus futuros estudantes. Essa ideia na minha cabeça é linda, na prática nem tanto. Essa consciência demanda horas de leitura e estudo, coisas que em um blog são inviáveis. Então, bora otimizar nosso tempo:
 

Leia aqui a partir daqui se não tiver tempo

    Largando à mão dos preciosismos acadêmicos e tentando apontar caminhos práticos e fundamentos teóricos mínimos para meus alunos/professores que serão obrigados a ler esse texto kkk, pensei em algumas questões e pedi ajuda dos chatboots de IA para sintetizar algumas coisas que estou querendo que você leitor entenda. Afinal, falei sobre muita coisa densa nos 14 parágrafos acima e com a sorte, quem não pulou nada até aqui, talvez não tenha muito mais tempo disponível para continuar lendo e refletindo sobre minha escrita de maneira assincrona. Óh tempos difíceis de sociedade líquida, queria muito continuar nessa pegada de escrita que se desenrolou até aqui, mas se continuar sei que ficarei pedante e chato e não terei muitos likes (rindo alto aqui kkk).
    Vamos fazer o seguinte. Quero que você entenda que a Física, como área do conhecimento, tem maneiras metodológicas de construir conhecimentos, diferentes da Biologia e da Química. Eu não estou só falando sobre conteúdo diferente, do tipo: Física estuda a Gravidade, Biologia a Evolução das Espécies e Química a Composição e Estrutura da Matéria. Estou dizendo que o modo de conceber cada uma dessa áreas é diferente, as pessoas que fundamentaram os elementos essenciais dessas áreas viveram contextos diferentes, logo a construção do conhecimento até mesmo do nome dessas áreas tiveram percursos diferentes. Mas, todas elas hoje são colocadas num mesmo balaio, a cesta "Ciências da Natureza", ou seja, existe algumas semelhanças entre Física, Química e Biologia. 
    Para entender isso aprofundadamente utilizei-me de algumas perguntas guia para alimentar o chat:

1.   O que é epistemologia da Ciência e como esse conceito pode ter importância para a Educação em Ciências da Natureza? Ação para o chat: responda essa questão levando-se em conta diferentes tipos de epistemologia: Perspectiva Epistemológica Geral; Epistemologia da Ciência; Epistemologias Ancestrais e Indígenas; Epistemologias do Sul; Epistemologias Decoloniais; e Epistemologias Pós-Críticas.

2. Química, física e biologia possuem epistemologias diferentes?

3. Fundamente cada um desses três tópicos articulando episódios históricos populares dentro da história da ciência. Cite autores que investigaram epistemologia da Biologia como Ernest Mayr, na física com Carl Sagan e na Química com Prigogine e talvez outros importantes que não conheço.

Com isso, vou apresentar em seguida o que, literalmente, o chatboot de IA respondeu. Mas, o comando listado acima foi meticulosamente pensado e inspirado por uma leitura densa intitulada "A Nova Aliança: Metamorfose da Ciência", de Ilya Prigogine e Isabelle Stengers. Seria muito bom se você tivesse tempo para ler essa obra fabulosa. Nela, os autores propõem uma revisão radical da visão científica tradicional, argumentando que a ciência mecanicista e determinística é insuficiente para compreender a totalidade do mundo real. O livro aborda como a física moderna, em particular a termodinâmica do não-equilíbrio e o estudo de sistemas complexos, revela um universo onde a irreversibilidade, a incerteza e a criatividade são aspectos essenciais da natureza, e não meras ilusões ou exceções. Prigogine e Stengers defendem a necessidade de uma "nova aliança" entre as ciências exatas e as humanidades, reconhecendo a importância do tempo e da narrativa na descrição do real, e superando a dicotomia entre objetividade científica e experiência humana.

Digamos que você não tenha esse tempo. Veja o vídeo abaixo que produzi comentando sobre um capítulo dessa obra:


Agora, se você não teve tempo de ler os 14 parágrafos acima, não tem tempo de ler o livro e nem assistir o vídeo, você não compreenderá bem sobre o que se trata as respostas do chat a seguir. Recomendo que consuma algumas das coisas citadas acima antes de prosseguir. Mas, se não der, tudo bem. Tá por conta e risco seu.

1. Epistemologias da Ciências da Natureza (resposta do chatboot)

O que é Epistemologia da Ciência?

De forma geral, a epistemologia é o ramo da filosofia que estuda o conhecimento: sua origem, natureza, limites e validade. A Epistemologia da Ciência é um subcampo que se dedica especificamente a investigar o conhecimento científico. Ela questiona: O que torna a ciência diferente de outras formas de saber? Como as teorias científicas são construídas, validadas e substituídas? Qual é o método (ou métodos) da ciência? Qual a relação entre teoria e observação?

A importância desse conceito para a Educação em Ciências da Natureza é profunda. Ensinar ciência não é apenas transmitir um conjunto de fatos e fórmulas consolidados. É, sobretudo, ajudar os estudantes a compreender como esse conhecimento foi produzido, quais são seus alcances e suas limitações. É formar cidadãos capazes de pensar criticamente sobre informações científicas, e não apenas consumi-las passivamente.

Abaixo, exploramos como diferentes correntes epistemológicas enriquecem e transformam essa prática educativa.


1. Perspectiva Epistemológica Geral (Empirismo, Racionalismo, Criticismo)

Esta perspectiva engloba as bases filosóficas clássicas do conhecimento.

  • O que é: Investiga as fundações universais do conhecimento. O empirismo (ex.: John Locke, David Hume) enfatiza a experiência sensorial como origem do conhecimento. O racionalismo (ex.: René Descartes) privilegia a razão e as ideias inatas. O criticismo (ex.: Immanuel Kant) busca uma síntese, reconhecendo o papel tanto da experiência quanto das estruturas racionais da mente.

  • Importância para a Educação em Ciências:

    • Empirismo: Justifica a importância das aulas práticas, experimentos e da observação no ensino de ciências. Mostra que o conhecimento começa com a interação com o mundo natural.

    • Racionalismo: Destaca a necessidade de lógica, dedução e estrutura teórica. Um experimento sem uma hipótese racional por trás é apenas uma receita de bolo.

    • Crítica: Ajuda a superar a visão ingênua de que "ver é crer", mostrando que noss observações são sempre mediadas por conceitos e teorias prévias (não vemos "átomos", vemos seus efeitos e construímos modelos sobre eles).

2. Epistemologia da Ciência (Popper, Kuhn, Feyerabend)

Esta é a epistemologia "clássica" da ciência moderna, que problematiza seu método e desenvolvimento.

  • O que é: Karl Popper introduz o critério de falseabilidade: uma teoria é científica se pode, em tese, ser refutada por um experimento. Thomas Kuhn fala sobre paradigmas: a ciência não avvia de forma linear, mas por meio de revoluções que substituem um paradigma (uma visão de mundo científica) por outro. Paul Feyerabend, de forma mais radical, defende o "anything goes" (vale tudo), argumentando que não existe um método científico único e rígido.

  • Importância para a Educação em Ciências:

    • Popper: Ensina que a ciência é um empreendimento crítico, não dogmático. Uma boa aula de ciências deveria mostrar teorias que foram falseadas e como isso levou a avanços.

    • Kuhn: Permite ensinar a história da ciência de forma mais realista, mostrando os conflitos, as resistências e as mudanças de perspectiva (ex.: a transição do modelo geocêntrico para o heliocêntrico). Mostra que a ciência é feita por comunidades humanas com seus valores e consensos.

    • Feyerabend: Desmistifica a imagem do "método científico" como uma sequência rígida de etapas. Incentiva a criatividade e a pluralidade de abordagens na resolução de problemas científicos.

3. Epistemologias Ancestrais e Indígenas

Estas epistemologias desafiam a noção de que a ciência moderna é a única forma válida de conhecer a natureza.

  • O que é: São sistemas de conhecimento desenvolvidos por povos originários ao longo de milênios de relação profunda com seus territórios. O conhecimento é frequentemente holístico, espiritual, baseado na oralidade, na observação refinada e no princípio de reciprocidade com a natureza.

  • Importância para a Educação em Ciências:

    • Descoloniza o currículo: Incluir saberes sobre plantas medicinais, manejo agroflorestal, astronomia e ecologia dos povos indígenas mostra que o conhecimento é plural.

    • Promove uma visão biocêntrica: Contrasta com a visão antropocêntrica da ciência moderna, ensinando sobre interdependência e respeito aos ciclos naturais.

    • Exemplo Prático: Enquanto a botânica ocidental classifica uma planta por suas características morfológicas, um saber ancestral pode classificá-la por suas propriedades medicinais, seu papel no ecossistema e sua importância cultural e espiritual.

4. Epistemologias do Sul (Boaventura de Sousa Santos)

Esta perspectiva foca nos saberes produzidos pelas populações do "Sul Global" (geográfico, político e social) que foram historicamente oprimidas e silenciadas.

  • O que é: Boaventura de Sousa Santos argumenta que a dominação global é também uma dominação epistemológica. As "Epistemologias do Sul" buscam dar voz a esses saberes subjugados (de camponeses, comunidades quilombolas, populações periféricas). Ele defende uma "ecologia de saberes", onde diferentes formas de conhecimento dialogam em pé de igualdade.

  • Importância para a Educação em Ciências:

    • Valoriza saberes locais: O conhecimento de um pescador artesanal sobre os ciclos de marés e a migração de peixes é um saber válido e sofisticado que pode e deve dialogar com a oceanografia científica.

    • Torna a ciência mais relevante: Conecta o conteúdo científico com os problemas e saberes da comunidade local, tornando a aprendizagem mais significativa.

    • Combate a epistemicídio: Pare de ignorar ou desqualificar outros saberes simplesmente porque não foram gerados em universidades ou por métodos convencionais.

5. Epistemologias Decoloniais (Quijano, Mignolo)

Corrente que analisa como a colonialidade (a face oculta da modernidade) impôs uma hierarquia de saberes, privilegiando o conhecimento eurocêntrico.

  • O que é: Argumenta que a ciência moderna foi uma ferramenta fundamental para a dominação colonial, classificando outros saberes como "primitivos" ou "supersticiosos". A "colonialidade do saber" é a perpetuação dessa hierarquia mesmo após o fim dos colonialismos políticos.

  • Importância para a Educação em Ciências:

    • Questiona a neutralidade da ciência: Mostra como a ciência esteve e está envolvida em projetos de poder. Permite discutir, por exemplo, como teorias racistas pseudocientíficas foram usadas para justificar a escravidão.

    • Fortalecimento de identidades: Ao desconstruir a ideia de que só o saber eurocêntrico é válido, abre espaço para que estudantes de diversas origens se vejam como produtores de conhecimento.

    • Promove uma ciência mais humilde e reflexiva: Ajuda a reconhecer os limites da ciência ocidental e a enxergá-la como uma entre outras formas de entender o mundo.

6. Epistemologias Pós-Críticas (Pós-Modernas, Pós-Estruturalistas)

Estas epistemologias são céticas em relação a "grandes narrativas" universais, incluindo a da ciência como progresso linear e neutro.

  • O que é: Pensadores como Foucault, Lyotard e Derrida questionam a objetividade e a neutralidade do conhecimento. Eles mostram como o saber está inextricavelmente ligado ao poder (Foucault), como as linguagens e discursos constroem a realidade, e como não há um ponto de vista absoluto ("o fim das metanarrativas", em Lyotard).

  • Importância para a Educação em Ciências:

    • Análise do discurso científico: Ensina a ler criticamente textos científicos, identificando vieses, metáforas e pressupostos.

    • Contextualização social e política: Mostra que as perguntas que a ciência escolhe investigar, os métodos que usa e a forma como interpreta os dados são influenciados pelo contexto social, cultural e econômico.

    • Desestabiliza certezas: Incentiva um pensamento mais flexível e menos dogmático, preparando os estudantes para lidar com a complexidade e a incerteza, que são marcas da ciência contemporânea.

Conclusão Sintetizada

A importância da epistemologia para a Educação em Ciências da Natureza é transformadora. Ela permite uma transição:

  • De uma educação que trata a ciência como um catálogo de verdades estáticas a ser memorizado.

  • Para uma educação que a compreende como uma prática humana, dinâmica, diversa e contextualizada.

Integrar essas diferentes epistemologias não significa abandonar o rigor da ciência, mas sim enriquecê-lo. Significa formar cidadãos que:

  1. Compreendem os métodos e a lógica da ciência moderna.

  2. Reconhecem seus limites e sua historicidade.

  3. Respeitam e valorizam outros sistemas de conhecimento.

  4. Estão preparados para participar de forma crítica e ética de debates socioambientais e tecnológicos complexos.

Em última análise, uma educação científica epistemicamente consciente é um pilar fundamental para uma sociedade verdadeiramente democrática, plural e sustentável.



2. Química, física e biologia possuem epistemologias diferentes? (resposta do chatboot)

De certo modo, sim — mas não no sentido de terem “epistemologias totalmente separadas”, e sim no sentido de que cada ciência organiza, valida e produz conhecimento de maneiras que têm especificidades históricas, metodológicas e conceituais próprias.

Aqui está a forma mais clara de entender isso:


1. Há uma epistemologia científica geral

Ela trata de questões como:

  • O que é uma teoria científica?

  • Como se valida uma hipótese?

  • O que conta como evidência confiável?

  • Como ocorre mudança de paradigmas?

Essa é comum a todas as ciências.


2. Mas cada disciplina tem “epistemologias internas”

Ou seja, modos próprios de construir e justificar conhecimento.

Física

  • Forte uso de modelos matemáticos.

  • Busca leis universais e generalizações.

  • Valorização de previsões quantitativas.

  • Experimentação altamente controlada.

Química

  • Foca em transformações, propriedades e interações de substâncias.

  • Usa modelos híbridos: parte empírico-experimental, parte teórico-abstrata (ligação química).

  • Muitos conceitos são representacionais (modelo de átomo, orbitais), não diretamente observáveis.

Biologia

  • Estuda sistemas complexos e historicamente determinados.

  • Explicações frequentemente são:

    • funcionais (para que serve)

    • históricas/evolutivas (como surgiu)

    • contextuais (dependem do ambiente)

  • Experimentação mais difícil de controlar totalmente.


3. O que isso significa na prática?

Cada área:

  • constrói teorias de um modo particular,

  • interpreta dados de formas diferentes,

  • opera com tipos distintos de evidência,

  • lida com níveis diferentes de complexidade e abstração.

Por isso falamos em “epistemologias da física”, “epistemologia da química”, “epistemologia da biologia” — não como áreas isoladas, mas como modos distintos dentro da epistemologia da ciência.

 

3. Fundamentação Teórica para resposta do chatboot

A seguir, apresento cada uma das três epistemologias — Física, Química e Biologia — fundamentadas com episódios históricos marcantes, articuladas com autores consagrados que investigaram os fundamentos epistemológicos dessas áreas. A ideia é mostrar como cada ciência produz e valida conhecimento de modo específico, evidenciado em momentos clássicos da história da ciência.


1. Epistemologia da Física

Características epistemológicas

A Física tende a:

  • formular modelos matemáticos altamente abstratos;

  • buscar leis universais e previsões precisas;

  • adotar experimentação controlada como critério forte de validação.

Episódios históricos que evidenciam esse modo de pensar

a) Galileu e a queda dos corpos

O experimento mental (e empírico) da queda dos corpos mostra a tendência da Física de:

  • isolar variáveis,

  • produzir leis gerais,

  • matematizar fenômenos.

Galileu inaugura a ideia de que a natureza pode ser descrita por “matemática”, visão amplamente discutida por autores como Alexandre Koyré.

b) Newton e a unificação da mecânica celeste e terrestre

Quando Newton une a gravitação dos planetas ao movimento de objetos na Terra, reforça a epistemologia física que busca leis universais, validáveis matematicamente. Esse é um marco forte de como a física opera com modelos simplificadores, mas de grande poder explanatório.

c) Einstein e a relatividade

Einstein mostra que os modelos matemáticos podem reformular radicalmente conceitos básicos, como espaço e tempo. O processo de construção teórica antecedendo a validação experimental (eclipses de 1919) é um traço típico da Física.

Autores de referência

  • Carl Sagan – populariza a visão da ciência como empreendimento baseado em evidências e método crítico; embora não seja filósofo da física, discute o caráter testável e autocorretivo da ciência.

  • Thomas Kuhn – analisou revoluções científicas como a de Copérnico, Newton e Einstein.

  • Max Jammer – epistemologia da física e história dos conceitos fundamentais como espaço e massa.

  • Gerald Holton – investigação filosófica sobre temas e estruturas do pensamento científico.


2. Epistemologia da Química

Características epistemológicas

A Química trabalha com:

  • modelos representacionais não diretamente observáveis (átomos, ligações, orbitais);

  • forte dependência de experimentação empírica;

  • explicações em múltiplas escalas (macroscópica, microscópica, simbólica);

  • sistemas abertos e irreversíveis.

Episódios históricos fundamentais

a) Lavoisier e a Revolução Química (século XVIII)

A transição do flogisto para a teoria da combustão baseada no oxigênio mostra:

  • a importância da medição precisa (balança),

  • a substituição de entidades metafísicas por modelos empíricos testáveis,

  • mudança de linguagem científica.

Isso cria uma epistemologia própria: a Química se legitima pela experimentação repetível e pela linguagem padronizada.

b) Mendeleev e a Tabela Periódica

A construção da tabela periódica, com predições bem-sucedidas de elementos ainda não descobertos, evidencia o caráter classificatório-relacional da química, onde padrões emergem de propriedades observáveis e estrutura atômica.

c) Prigogine e a termodinâmica de sistemas abertos

A obra de Ilya Prigogine mostra que a Química também desenvolve uma epistemologia da irreversibilidade, dos processos longe do equilíbrio e da emergência de ordem a partir do caos. Isso é distinto da Física clássica e mais próximo de sistemas complexos.

Autores de referência

  • Ilya Prigogine – irreversibilidade, sistemas complexos, caos, tempo.

  • Roald Hoffmann – papel dos modelos na química, natureza representacional da substância.

  • Michael Polanyi – conhecimento tácito na prática laboratorial.

  • Eric Scerri – filosofia do elemento químico e estrutura da teoria química.


3. Epistemologia da Biologia

Características epistemológicas

A Biologia opera com:

  • explicações históricas (evolução),

  • sistemas complexos e contextuais,

  • conceitos como função, adaptação, organismo e ecossistema,

  • dificuldade de experimentação totalmente controlada.

Episódios históricos fundamentais

a) Darwin e a seleção natural

A publicação de A Origem das Espécies (1859) introduz:

  • explicações históricas em vez de leis universais;

  • inferência a partir de padrões e narrativas evolutivas;

  • evidências comparativas, fósseis, biogeografia;

  • uma epistemologia baseada na reconstrução de processos passados.

Aqui, a Biologia se distancia radicalmente do modelo físico-matemático.

b) Mendel e a genética como ciência das regularidades

Mendel mostra que, mesmo em sistemas vivos complexos, há regularidades matemáticas. Esse episódio revela uma tensão típica da biologia:
história + leis estatísticas.

c) A síntese moderna e o DNA

A unificação entre genética, evolução e biologia molecular evidencia o papel das explicações multiníveis: molecular, populacional, ecológica, evolutiva.

Autores de referência

  • Ernst Mayr – um dos maiores epistemólogos da biologia; discute a natureza histórica, darwiniana e não nomotética da disciplina.

  • Stephen Jay Gould – caráter contingente e histórico da evolução.

  • Elliott Sober – filosofia da biologia, explicações funcionais e evolutivas.

  • David Hull – ciência como processo evolutivo e dinâmico (ciência como seleção cultural).




Comentários finais do autor humano 

    Em síntese, compreender as epistemologias internas das Ciências Naturais significa reconhecer que Biologia, Física e Química não constituem apenas conteúdos ou estruturas técnicas, mas modos próprios de investigar, validar e atribuir sentido ao conhecimento sobre o mundo. Cada campo desenvolve métodos, critérios de verdade, ontologias e tradições interpretativas alinhadas às naturezas dos fenômenos que estudam. Enquanto a Biologia precisa considerar a historicidade, a diversidade e a complexidade dos seres vivos, a Física se caracteriza pela busca de leis universais expressas matematicamente, e a Química opera em uma zona intermediária, articulando transformações materiais, irreversibilidades termodinâmicas e modelos estruturais que conectam teoria e empiria. Tais diferenças internas mostram que a ciência não é uma entidade única e homogênea, mas um mosaico construído historicamente por práticas concretas, debates, disputas teóricas e episódios que marcaram a evolução de cada disciplina. Ao reconhecer essa diversidade epistemológica, ampliamos a compreensão de como o conhecimento científico é produzido e como pode ser ensinado de forma mais crítica, contextualizada e significativa.
    Entre as obras essenciais que sustentam o debate sobre epistemologias internas nas Ciências Naturais destaca-se “The Growth of Biological Thought” de Ernest Mayr (1982), fundamental para compreender como a Biologia desenvolveu uma epistemologia própria marcada pela evolução, historicidade e contingência, rompendo com o paradigma fisicalista que buscava reduzir fenômenos biológicos às leis universais da Física. Ainda na Biologia, “What Evolution Is” (2001) aprofunda como o pensamento evolutivo redefine os critérios de explicação científica na área, destacando o papel central da seleção natural e das pressões ambientais.
    Na Física, obras como “O Mundo Assombrado pelos Demônios” (1995), de Carl Sagan, ajudam a compreender não apenas a epistemologia da Física como disciplina, mas também o compromisso filosófico com o ceticismo, o método científico e a comunicação pública da ciência. Já “Cosmos” (1980) apresenta uma visão histórica da construção do conhecimento físico, evidenciando episódios como a revolução copernicana e a consolidação da mecânica newtoniana como momentos de transformação epistemológica que moldaram o conceito moderno de ciência.
    Para a Química, destaque para “From Being to Becoming” (1980), de Ilya Prigogine, que questiona a visão tradicional determinista herdada da Física clássica e introduz uma compreensão do mundo baseada na irreversibilidade, no caos e na abertura dos sistemas físicos e químicos ao tempo. Essa obra é relevante pois coloca a Química no centro da reflexão sobre como o tempo, a instabilidade e a emergência de novos estados materiais exigem uma epistemologia distinta daquela que rege a Física de sistemas fechados. Complementarmente, “The End of Certainty” (1997) aprofunda essa ruptura ao defender que a ciência deve abandonar a crença na previsibilidade absoluta e reconhecer a criatividade do universo em nível físico e químico.
    Essas obras, quando articuladas, mostram que a ciência não pode ser compreendida como um corpo homogêneo, mas como um conjunto de tradições epistemológicas distintas, moldadas por seus objetos de estudo, por suas práticas históricas e pelos debates que constituíram o pensamento científico moderno. Era isso que eu quis dizer o título: "A Física como epistemologia interna na Educação em Ciências". Até mais!

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  1. Oi professor, texto esclarecedor, inclusive o vídeo muito bom que fez sobre Prigogine. Gratidão por compartilhar tanta coisa boa!

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