sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Episódio 5 - Tecnologia, Conhecimento e Ancestralidade


Hoje um vizinho veio me pedir ajuda para resolver um problema em sua tomada no seu apartamento. Ele chegou dizendo: 

"Sou desses meninos criados pela avô mano, não sei fazer essas coisas, você é físico, tem um monte de ferramentinhas ae, faça sua magia!"

Moramos em um desses prédios antigos, sem elevador, sem garagem, sem síndico, mas com muita fiação elétrica antiga e gente boa que se ajuda. Fiquei pensando em que momento da nossa história humana fomos perdendo a cultura de fuçar e fazer nossos "gatos técnicos" para solução de problemas manuais do cotidiano. Afinal, deveria fazer parte da nossa ancestralidade brasileira montar arapucas mirabolantes como os índios, costurar lindas rendas como as antigas baianas ou construir belíssimos tambores africanos com couro. Conheci um cara que conseguia fazer um Fusca com motor parado funcionar com um pedaço de lápis. Como dizem por aí "o brasileiro precisa ser estudo pela NASA!", não é essa a fama que levamos devido a nossa arte no improviso? 
Quê diabos estamos criando com as nossas mãos além de digitar?

No almoço perguntei pra minha esposa se algum de nossos familiares com mais voltas ao redor do Sol tinham criado alguma invenção à brasileira ou tinham dotes para trabalhos manuais. Ela me contou que a sua avó tinha problema nas pernas e precisava movimentar os seus joelhos constantemente. Para não ter que ficar caminhando o dia todo a Dona Maria preencheu 2 latas de tinta cilíndricas com cimento e colocou uma pracha em cima e pronto! ficava sentada O-DIA-TODO praticando o famigerado balance board , eita velhinha danada!





(observação: hoje em dia um desses custa de R$ 260 a R$300,00 cada)
    







O meu pai e minha mãe nasceram no interior da Bahia e apesar de não ter nenhuma lembrança de invenções mirabolantes da parte deles tenho orgulho de dizer que minha mãe era uma costureira de "MÃO CHEIA". Claro que, se perguntasse pra minha mãe se ela já teria inventado alguma tecnologia ou criado alguma invenção na vida a resposta seria um imediato NÃO. Talvez pela sua simplicidade de mulher semianalfabeta não se sentisse com competência técnica para tal. 

A fotografia acima foi tirada na exposição LEONARDO DA VINCI – 500 ANOS DE UM GÊNIO, que por sinal é muito boa mesmo, e nosso amigo Leonardo é realmente espetacular. Porém, a primeira ideia que me veio a mente quando eu vi o vestido foi: 
"Minha mãe fazia umas camisas bem mais bonita Léo, foi mal ae!" 
A parte o anacronismo cometido com os padrões de vestimenta do alfaiate Da Vinci comparado com as roupas produzidas pela minha mãe, trago tal reflexão devido ao sentimento de diminuição que muitos de nós temos diante de nossas produções manuais. É comum ouvir nas aulas de tecnologias pessoas afirmarem, até com um certo orgulho, que são totalmente ignorante em tecnologia, matemática, física ou qualquer outra ciência que demande traquejo técnico sofisticado. Enchemos a boca pra dizer que jamais teremos capacidade de realizar determinado tipo de atividade, reproduzimos falas que fortalecem a ideia de que nunca teremos aptidão suficiente pra realizar grandes obras, inventar novas tecnologias ou descobrir novos conhecimentos científicos. Somos pessoas normais não é mesmo? Esse tipo de destaque é identificado apenas nos gênios, tais como: LeonardoDonatello, Raphael e Michelangelo que receberam até mesmo a honraria de serem representados na história, como tartarugas ninjas 😀:
deixo como exercício a pesquisa sobre quem é quem

De onde será quem vem esse sentimento? Por que nos percebemos tão inferiores diante de obras que deveriam edificar os feitos de nossa espécie? Quanto desse tipo de sensação nos priva de tentar, de arriscar realizar invenções fantásticas? 

Foi pensando nessas questões que fui investigar porque minha mãe negra sem diploma escolar nunca fez transparecer que sentia orgulho de suas obras manuais de costura ou jardinagem. Ela não se via como cientista ao fazer cruzar duas espécies de plantas diferentes no mesmo vaso ou identificar com facilidade todo tipo de vegetação e saber o que era bom pra fazer os seus chás. Adiantando a seguir um resuminho do que eu descobri com a minha ligeira pesquisa para a composição desse texto em 4 tópicos centrais:

1) nossos ancestrais negros africanos descobriram e inventaram muita tecnologia, antecipando ideias e criando utensílios que faziam uso de conceitos sofisticados que na linguagem contemporânea podemos classificar como eletromagnetismo, hidráulica, mecânica e pneumática. Vamos aprofundar essas ideias conhecendo um pouco sobre o trabalho dos negros sabidos: Fábio KabralKarolina DesireéCarlos Eduardo Dias Machado e  Nur Ankh Amen (esse último não sei bem se é negro, mas que é sabido é, pois seu livro é bem interessante).

2) o sentimento que temos de que não inventarmos tecnologia geniais com facilidade tem relação com a própria concepção que fazemos de tecnologia e como os produtos tecnológicos são utilizados e integrados aos afazeres humanos ao longo da história. Tal ideia será melhor explorada por Marshall McLuhan que afirma "as tecnologias se tornam invisíveis à medida que se tornam familiares."

3) A construção ideológica das raças e a hierarquização imposta pelos brancos europeus somada a suposta incapacidade intelectual dos negros africanos depreciaram as realizações africanas no campo da ciência, tecnologia e inovação ao longo de anos. Conforme afirma Machado "Muitas tecnologias de origem africana ficaram ocultas devido a construção do sistema de privilégio branco numa ordem mundial capitalista que tem como pilares a escravidão, colonialismo, imperialismo e racismo na construção de privilégios e desigualdades". 

4) assim como o conceito de tecnologia outras ideias como virtualidade, cibercultura e afrofuturismo  demonstram possibilidades para modificar o processo de aprendizado do conhecimento no mundo contemporâneo. Estamos vivendo a quarta revolução e, em breve, chegaremos no ponto de ter acesso a um sistema semântico de metadados universal situado na nuvem, construído de maneira colaborativa e capaz de orientar o futuro da comunicação digital. Quem nos ajuda por aqui é Pierre Lévy, que acredita que a cibercultura coloca o ser humano diante de um gigantesco mar de conhecimento, em que é preciso escolher, selecionar e filtrar as informações. Somente compartilhando e gerando certo tipo de  "inteligência coletiva" seria possível organizar os conhecimentos em grupos e comunidades, onde a troca de ideias e o compartilhamento de interesses sejam possíveis.

Nos próximos encontros das aulas de "TIC Natureza",  pretendo desenvolver melhor essas 4 ideias  com vocês. Bora produzir novos conhecimentos juntos e rememorar a herança de nossos ancestrais. Até logo!