No início do século XX os entusiastas pelos conhecimentos da natureza buscavam responder a perguntas que, para o leigo da época acostumado com a Mecânica de Newton, soariam como:
Se tudo que é quente brilha, por que a luz que sai de um forno quente (radiação) não fica infinitamente azul ou brilhante, como as nossas leis atuais parecem prever?
Se a luz é uma onda que se propaga em algo invisível chamado 'éter', por que nossos instrumentos não conseguem detectar a Terra se movendo através desse éter? A velocidade da luz deveria mudar, mas ela teima em ser sempre a mesma!
Se a luz é uma onda, por que quando jogamos luz em um metal, ela se comporta como se fosse feita de 'pacotinhos' de energia (fótons), e só a cor certa (frequência) consegue arrancar elétrons, e não apenas o brilho total?"
Por que os átomos (que deveriam ser como pequenos sistemas solares) não colapsam imediatamente, já que os elétrons, ao girarem, deveriam perder energia e cair no núcleo?.
A busca por respostas para questões nesse sentido culminou em alguns conhecimentos importantes para ualidade. A Relatividade Especial, por exemplo, explica o comportamento de objetos em velocidades próximas à luz, como os ajustes no GPS. A Mecânica Quântica, que desvenda as leis estranhas do mundo microscópico, onde partículas podem estar em vários lugares ao mesmo tempo. A Física Atômica e Molecular, que estudam a estrutura dos átomos e como eles se ligam, formando toda a matéria ao nosso redor e explicando a química e o funcionamento dos lasers. A Física do Estado Sólido investiga como bilhões de átomos se organizam para criar as propriedades dos materiais, como os semicondutores que formam os chips de computador. Finalmente, a Física Nuclear e de Partículas explora o núcleo atômico e os componentes fundamentais da matéria, explicando desde a energia nuclear até os processos que alimentam o Sol e a própria composição do universo.
Sabemos que, dentro da perspectiva epistemológica atual, a construção desses conhecimentos científicos supracitados avança por rupturas e mudanças de paradigma, não de forma cumulativa e linear, conforme defendido por Thomas Kuhn. Com isso em mente, não há motivos para considerarmos o desenvolvimento dos conhecimentos de Física Moderna separados dos conhecimentos de Física Contemporânea, ou achar que o contemporâneo é mais avançado que o moderno. Por isso, autores como Fernanda Ostermann e Marco Antônio Moreira costumam tratar esses conhecimentos como FMC (Física Moderna e Contemporânea), um conhecimento só, que influencia outras pesquisas em diversas áreas: Computação Quântica; Matéria Condensada (especialmente materiais 2D como o grafeno); Física de Astropartículas (caça à Matéria Escura, neutrinos); Tecnologias Quânticas (Criptografia e Sensores); Nanociência e Nanotecnologia.
No entanto, para fins didáticos, muitos autores defendem que a Física Moderna compreende o período que se inicia majoritariamente em 1900, com a hipótese da quantização de energia de Max Planck, estendendo-se até a primeira metade do século XX para incluir as duas grandes revoluções conceituais: a formulação da Teoria da Relatividade Especial por Albert Einstein (1905), que redefiniu o espaço-tempo e a massa em altas velocidades, e o desenvolvimento fundamental da Mecânica Quântica (por nomes como Bohr, Schrödinger e Heisenberg), que descreveu o comportamento da matéria e da energia no nível atômico.
Já a Física Contemporânea geralmente é considerada o período posterior, iniciado por volta das décadas de 1940 a 1960), dedicando-se à aplicação desses fundamentos e às áreas de pesquisa de fronteira, como a Física de Partículas (Modelo Padrão), a Cosmologia Avançada e a Física da Matéria Condensada. A aceitação dessa divisão é frequentemente vista nos tradicionais livros universitários de Física, tais como: "Fundamentos de Física" de Halliday, Resnick e Walker e outros títulos amplamente utilizados como o de Tipler e Serway e Jewett, (que cobrem os fundamentos da Moderna). Além disso, há trabalhos de pesquisadores brasileiros em Ensino de Física, como Eduardo Adolfo Terrazzan e André Ary Leonel, que diferenciam os conceitos fundadores (Moderna) das pesquisas e tecnologias mais atuais (Contemporânea).
Ao incorporar tópicos de Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino de Física da educação básica, é importante reconhecer que essa iniciativa vai muito além de uma simples atualização do currículo. Esta ação representa uma oportunidade de promover uma aprendizagem significativa (Ausubel, 2003; Moreira, 2011), pois conecta o estudante com os fenômenos científicos e tecnológicos que permeiam sua vida cotidiana e sua cultura digital (Testa, Lopes, Vidmar, 2023). Conforme apontam Goulart e Leonel (2022), a inserção da FMC no Ensino Médio permite ao aluno compreender a física como uma construção humana em constante transformação, despertando curiosidade e senso crítico diante das explicações científicas do mundo.
Sob a ótica da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), o ensino de FMC deve buscar o diálogo entre os conceitos prévios dos estudantes (subsunçores) e as novas ideias científicas que surgiram com a Relatividade, a Mecânica Quântica e a Física das Partículas. Quando esse processo ocorre de modo contextualizado, ocorrendo por meio de situações-problema, experimentação, simulações e discussões conceituais; o novo conhecimento se ancora cognitivamente na estrutura prévia do aprendiz, promovendo reconciliação integrativa e diferenciação progressiva dos conceitos. Assim, a aprendizagem deixa de ser meramente mecânica e passa a ser um processo de construção ativa e significativa.
Além disso, abordar a FMC na escola contribui para romper a visão fragmentada e determinista da Física Clássica, favorecendo uma compreensão relacional e não mecanicista da realidade, perspectiva alinhada ao pensamento do popular divulgador da ciência: Carlo Rovelli. Para o autor, a Física atual descreve o mundo não como um conjunto de “pecinhas”, mas como uma rede de interações e relações entre eventos. Isso significa que um elétron, por exemplo, não é uma bolinha minúscula, mas uma manifestação de um campo quântico que só se torna perceptível quando interage com outro sistema. Essa concepção aproxima-se da própria lógica da aprendizagem significativa, em que o conhecimento se forma nas relações entre ideias, experiências e contextos. Assim como Rovelli rejeita a noção de partículas como objetos isolados, o ensino da FMC deve rejeitar a noção de conhecimento como um acúmulo de fórmulas e fatos desconectados.
Ao explorar tópicos como a quantização da energia, a dualidade onda-partícula ou a relatividade do tempo, o professor possibilita que o estudante perceba a dimensão filosófica e epistemológica da ciência, entendendo que o conhecimento é histórico, provisório e construído coletivamente. Essa abordagem amplia a alfabetização científica e tecnológica, desenvolvendo competências interpretativas e argumentativas, condições essenciais para a formação de cidadãos críticos e participativos.
Portanto, a inclusão da Física Moderna e Contemporânea no ensino básico não deve ser vista apenas como uma atualização de conteúdo, mas como uma estratégia de humanização do ensino de Física, ao favorecer o diálogo entre ciência, tecnologia, cultura e significado. Mesmo com tanta informação disponível na internet, ensinar FMC na escola, valorizando a interação entre colegas e a experimentação com objetos de aprendizagem, continua sendo fundamental.
Além disso, a exploração de conceitos abstratos da FMC por meio de atividades manuais, experimentos e simuladores digitais pode ajudar os jovens, hoje bombardeados por estímulos constantes, a recuperar a capacidade de concentração e reflexão, ao transformar o aprendizado em uma experiência concreta e envolvente.
Afinal, o desejo de todo professor de Ciências é que o estudante compreenda o universo como um conjunto de relações dinâmicas entre conceitos, fenômenos e pessoas, o que expressa, em última instância, o próprio espírito da ciência moderna e da aprendizagem significativa.
Referências
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Lígia Teopisto. Lisboa: Plátano (ou Interamericana em ed. brasileira), 2003.
Disponível em: https://www.amazon.com.br/Aquisi%C3%A7%C3%A3o-Reten%C3%A7%C3%A3o-Conhecimentos-Perspectiva-Cognitiva/dp/9727073646.
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GOULART, Guilherme Salgueiro; LEONEL, André Ary.REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O ENSINO DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO
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secundária: https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7392
(ou referências de repositórios). Acesso em: 01 nov. 2025.
Mídias
1. O que é FÍSICA MODERNA e CONTEMPORÂNEA?
2. Carlo Rovelli – Teoria quântica: o mundo que você vê não é o que você vive
3. David Ausubel e a Teoria da Aprendizagem Significativa

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